domingo, 5 de junho de 2011

Badola

Ninguém esperava esse ato. Ele nunca se mostrou violento, e em momento algum discutiu com alguém.
Quando ainda estudava, Badola era o adolescente mais bobo da sala de aula, vivia dando risadas e contando piadas sem graça.
Alguns acharam que ele era desequilibrado, vários eram os comentários.
- Esse cara é meio doido das idéias. – Alguém dizia no intervalo.
- Menino trouxa, nem parece que teve infância. – Comentavam as meninas.
Recebeu muitos apelidos: Nerds, Da Lua, Cabeça vazia, Mister Sem-Graça...
Mas nenhum desses pegou. “Badola” já era o seu apelido desde a infância, e não costumava ficar nervoso com os apelidos colocados.
O seu comportamento mudou depois que ele largou os estudos. Começou a passar o dia inteiro em casa e á noite ir pra rua, mesmo que estivesse frio ou chovendo.
Adotou uma maneira estranha de andar; passos curtos e rápidos. O rosto vivia voltado para o chão.
Ele parecia estar em conflito consigo mesmo.E estava.
Essa mudança que foi acontecendo aos poucos e não chamou a atenção de sua mãe. Acha que o comportamento do filho está relacionado ao irmão mais novo por ele ter um comportamento afeminado. Mas pensando bem, o próprio Badola, embora já estivesse com 19 anos, nunca havia beijado a boca de uma mulher, devido a sua timidez e o seu rosto que tem algumas cicatrizes do acidente que sofreu quando tinha 9 anos. Foi atropelado por uma moto.
O que mais chamava a atenção naqueles dias, foi o fato do surgimento de uma onda de terror no município de Osasco, Zona Oeste de São Paulo, onde Badola residia. Todo final de semana aparecia uma jovem morta e estuprada. Corria boatos nas escolas da região, que está aparecendo uma mulher morta por dia, e no local onde era achado o corpo havia um recado onde dizia:
“FOI MAIS UMA MAIS AINDA FALTA 150”.
Apenas fofocas. O que confirmava as mortes no município são os BOs, que estavam sendo registrados na delegacia local.
Foram três meses de medo no município, até que Samantha, uma jovem de 20 anos que foi estuprada,  conseguiu escapar com vida; deu queixa na polícia e descreveu o rosto do maníaco para o retrato falado.
Para a senhora Carraro a decepção foi grande quando a polícia irrompeu em sua casa atrás do filho mais velho. Mas Badola já havia se prevenido. Só agora sua mãe descobria que as roupas que ele havia colocado numa sacola, não era doação como contara naquela manhã, quando saiu dizendo que ia na associação dos moradores do bairro para dar as roupas.
Uma viatura com dois policiais ficou de plantão na frente da casa da dona Carraro por três dias seguidos. A intenção era a de prender Badola se ele voltasse para pegar algum pertence, e de evitar a invasão da casa pela população furiosa com as atitudes do " filho da puta do Badola".
Houve uma movimentação muito grande de viaturas da polícia durante dois meses seguidos. Até porque uma das 14 jovens mortas pelo estuprador era a filha de um comandante da Polícia Militar.
Todos os esforços foram em vão, Badola estava morando na casa do tio em Campinas e não pretendia voltar para Osasco, tanto que arrumou um emprego e voltou a estudar, mais por disfarce do que por afinco, pois a escola era sempre a mesma merda para ele: "três ou quatro dezenas de alunos sentados com o cu nas cadeiras, enquanto um superior, dono da verdade absoluta, fica rabiscando a lousa e falando coisas que não chamam a atenção de ninguém".
 O medo e a precaução eram tão grandes que ele mudara totalmente o visual: cortou o cabelo, deixou o bigode e o cavanhaque crescerem, começou a usar óculos e mudou o estilo de se vestir. Era outro homem, pelo menos na aparência.
Mãe é mãe, diz o ditado. Apesar de estar chocada com as atitudes do filho, sempre que batia a saudades, dona Carraro ia até Campinas para vê-lo.
Dois anos mais tarde, Badola não consegue esconder sua curiosidade para saber como anda o bairro onde morava, se ainda falam dele, se a polícia ainda está á sua procura, entre outras perguntas que demonstram o seu interesse em voltar. E foi o que fez alguns meses mais tarde.
Chegou num dia chuvoso no meio da noite. No dia seguinte ainda conseguiu se manter dentro de casa, por sua própria vontade e pelo pedido de dona Carraro, que está atenta ao risco que o filho corre, mas também está feliz por tê-lo por perto.
Nos dias seguintes ele começou a ficar em frente ao portão de sua casa após ás 22 horas, para ver as pessoas que voltam da escola ali perto.
Duas semanas depois ele já saía de noite com um vizinho que mudara para ali há alguns meses e não sabia dos seus atos.
A felicidade de Badola é enorme. Quase ninguém se lembra dele, os que lembram estão de bico calado. Assim pensa ele.
Começou a andar na rua sem a atenção que adotou há alguns anos atrás. Voltou a freqüentar os bares do bairro e a ficar até altas horas da madrugada na rua.
Esqueceu-se do que fez no passado.
Sempre chegava em casa entre 5 e 6 da manhã. Mas houve o dia em que ele se atrasou. Quando chegou já era noite. Veio dentro de um caixão vermelho escuro, carregado pelos funcionários da funerária.
Vinte para às 11 da noite. Dona Carraro derrama seu sofrimento pelos olho e pelos gemidos, enquanto é consolada pelas amigas.
Em volta do caixão, alguns amigos e curiosos.
Lá fora a garoa fina cai, sobre a cabeça das pessoas que voltam da escola.
Sacolinha
 

FONTE: SACOLINHA. 85 letras e um disparo. São Paulo: GLOBAL, 2007.