Sacola Literária
A proposta do dia é: LITERATURA! Aqui, será discutida através de contos do autor Sacolinha, pseudônimo de Ademiro Alves.
segunda-feira, 20 de junho de 2011
sábado, 18 de junho de 2011
Nossas Produções
Prezados cursistas,
Neste espaço, produziremos coletivamente nossa produção 'marginal'!!!
Será bem simples:
1- Iniciarei um texto e vocês darão continuidade ao texto.
2- Escreverá a continuação do texto no link "comentário" localizado logo abaixo desse post como indica a figura:
Será bem simples:
1- Iniciarei um texto e vocês darão continuidade ao texto.
2- Escreverá a continuação do texto no link "comentário" localizado logo abaixo desse post como indica a figura:
Dê continuidade a este texto:
"Vou te contar quem eu sou. Tento ser uma pessoa normal, num país normal, em uma sociedade normal. Toda a minha vida mudou quando... "
domingo, 5 de junho de 2011
85 letras e um disparo
-Alô, mô, sou eu!
- Fernando, o ônibus tá sendo assaltado...
- O quê? Fala mais alto!
- Tão assaltando o ôni...
- Puf.
- Alô!
- Tu tu tu tu...
Sacolinha
FONTE: SACOLINHA. 85 letras e um disparo. São Paulo: GLOBAL, 2007.
Boa noite Cinderela
Muitos são os atos que uma pessoa pratica para ganhar dinheiro. Na terra da garoa não é diferente.
Paulo é empresário, dono de duas grandes lanchonetes. Uma fica no centro de São Paulo e a outra no metrô Itaquera. Ambas com boa movimentação de clientes, fato que o deixa muito satisfeito e às vezes com dor de cabeça.
Ele é solteiro. Atualmente anda alterado demais, pois trabalhar com o público exige muita paciência, além do que, havia três meses que duas funcionárias entraram na justiça contra ele, pois Paulo, ao perceber a gravidez das meninas, despediu-as.
O processo está caminhando, lento, mas está.
Hoje é sexta-feira, e ele tinha acabado de sair da primeira audiência. Na porta do Fórum Paulo ainda ouviu uma das jovens dizer:
- Espero que você comece a perder todo o seu dinheiro, bicho ganancioso de uma figa.
Fez o sinal da cruz afastando aquele rogo de praga e seguiu caminho.
Passou na lanchonete central, recolheu o faturamento do dia e partiu com destino ao bairro da Patriarca, onde mora.
Na avenida Radial Leste, o trânsito está no rastro da tartaruga. O rádio do carro de Paulo anuncia 54 quilômetros de congestionamento em todo o centro de São Paulo. O som que predomina é o das buzinas que ecoam dos carros e se confundem no ar, dando o tom da cidade grande.
O ar poluído e o cheiro de carniça que circula por ali contribuem para que o ambiente se torne insuportável.
É início de noite, e a temperatura atinge vinte e nove graus.
Paulo participa do barulho apertando insistentemente a mão no volante. O ar condicionado não dá conta e o suor escorre em seu corpo. Xingos e murmúrios são colocados para fora. É o nervosismo e a impaciência que toma conta de Paulo. Ele precisa de um calmante. Calmante que no mínimo três vezes por mês o empresário vai atrás.
Aproveitou a brecha, movimentou o volante e entrou á direita pisando fundo, passando da primeira para a segunda marcha e aí por diante, fugindo do trânsito, adiando sua chegada em casa e indo rumo ao paraíso que há, entre as pernas de uma mulher.
Vinte minutos depois, nas redondezas do Parque do Carmo, ele escolhe o seu calmante entre as mulheres da calçada.
Estacionou no acostamento e sem desligar o carro negociou um programa.
No quarto do motel, ele respira ofegante com o sexo oral que a prostituta pratica nele. Ela que tem cabelos cor de fogo, corpo cheio de curvas e uma tatuagem na barriga. Justo ela que é conhecida no meio das suas amigas de trabalho por deixar o seu cliente nu, literariamente falando. Justo ela que depois de fazer o programa com um cliente abonado, desaparecia por meses, aplicando em cima de outros clientes noutros lugares.
Justo ela Seu Paulo?
A danada já havia estudado a nova vítima. Na hora em que negociavam, ela prestou atenção no carro, no celular e na roupa do empresário. Percebeu também o pacote de dinheiro na hora em que ele pagou a entrada do motel.
“Hora de sumir desse ponto” – Pensou rindo.
Ela é a isca que o peixe fisgou, e como sempre o peixe acaba levando a pior.
Depois de uns dez minutos de sobe-e-desce, Paulo obteve o seu orgasmo e deu um suspiro longo.
A puta tratou logo de agilizar o seu negócio. Na verdade iria começar a trabalhar:
- Nossa, que gostoso! Adorei. Quer casar comigo?
Paulo sorriu. Ela continuou:
- Essa merece um drinque.
Após pedir a bebida, virou Paulo de costas com o pretexto de fazer uma massagem:
- Você está tão tenso.
- Minha vida é que me deixa assim. – Disse ele.
- Relaxa, hoje é sexta-feira.
A bebida foi recebida por ela que, aproveitando o relaxamento de Paulo, depositou no copo dele algumas gotas de um líquido transparente como água.
Brindaram.
Ele bebeu num só gole e deitou novamente pedindo as mãos dela em suas costas.
Paulo relaxa sentindo a massagem. Parece estar nas nuvens... flutuando, flutuando.
Esqueceu de tudo; o caso que caminha na justiça, a praga de sua ex-funcionária, o trânsito, as contas a pagar, os contratos futuros, os clientes, os fornecedores e tudo mais que o preocupava. Agora está curtindo a sensação que corre pelo seu corpo, sente um prazer estranho, um formigamento gostoso nos seus pés que vai subindo devagarzinho, bem devagarzinho até chegar à cabeça.
O empresário nunca sentira isso antes, mas deixou-se dominar.
“Provavelmente é o efeito do sexo” – Pensou ele em grande satisfação.
Aos poucos suas pálpebras foram ficando pesadas, sem resistência... fechando, fechando... dormiu.
A puta se apossou da carteira, do relógio, do celular e da chave do carro. E antes de sair do quarto, beijou a boca de Paulo como forma de agradecimento, e ainda disse:
- Boa noite otário.
E ele dormia, indiferente a tudo. Não dormia um sono de pedra, apenas um sono de cinderela.
Paulo é empresário, dono de duas grandes lanchonetes. Uma fica no centro de São Paulo e a outra no metrô Itaquera. Ambas com boa movimentação de clientes, fato que o deixa muito satisfeito e às vezes com dor de cabeça.
Ele é solteiro. Atualmente anda alterado demais, pois trabalhar com o público exige muita paciência, além do que, havia três meses que duas funcionárias entraram na justiça contra ele, pois Paulo, ao perceber a gravidez das meninas, despediu-as.
O processo está caminhando, lento, mas está.
Hoje é sexta-feira, e ele tinha acabado de sair da primeira audiência. Na porta do Fórum Paulo ainda ouviu uma das jovens dizer:
- Espero que você comece a perder todo o seu dinheiro, bicho ganancioso de uma figa.
Fez o sinal da cruz afastando aquele rogo de praga e seguiu caminho.
Passou na lanchonete central, recolheu o faturamento do dia e partiu com destino ao bairro da Patriarca, onde mora.
Na avenida Radial Leste, o trânsito está no rastro da tartaruga. O rádio do carro de Paulo anuncia 54 quilômetros de congestionamento em todo o centro de São Paulo. O som que predomina é o das buzinas que ecoam dos carros e se confundem no ar, dando o tom da cidade grande.
O ar poluído e o cheiro de carniça que circula por ali contribuem para que o ambiente se torne insuportável.
É início de noite, e a temperatura atinge vinte e nove graus.
Paulo participa do barulho apertando insistentemente a mão no volante. O ar condicionado não dá conta e o suor escorre em seu corpo. Xingos e murmúrios são colocados para fora. É o nervosismo e a impaciência que toma conta de Paulo. Ele precisa de um calmante. Calmante que no mínimo três vezes por mês o empresário vai atrás.
Aproveitou a brecha, movimentou o volante e entrou á direita pisando fundo, passando da primeira para a segunda marcha e aí por diante, fugindo do trânsito, adiando sua chegada em casa e indo rumo ao paraíso que há, entre as pernas de uma mulher.
Vinte minutos depois, nas redondezas do Parque do Carmo, ele escolhe o seu calmante entre as mulheres da calçada.
Estacionou no acostamento e sem desligar o carro negociou um programa.
No quarto do motel, ele respira ofegante com o sexo oral que a prostituta pratica nele. Ela que tem cabelos cor de fogo, corpo cheio de curvas e uma tatuagem na barriga. Justo ela que é conhecida no meio das suas amigas de trabalho por deixar o seu cliente nu, literariamente falando. Justo ela que depois de fazer o programa com um cliente abonado, desaparecia por meses, aplicando em cima de outros clientes noutros lugares.
Justo ela Seu Paulo?
A danada já havia estudado a nova vítima. Na hora em que negociavam, ela prestou atenção no carro, no celular e na roupa do empresário. Percebeu também o pacote de dinheiro na hora em que ele pagou a entrada do motel.
“Hora de sumir desse ponto” – Pensou rindo.
Ela é a isca que o peixe fisgou, e como sempre o peixe acaba levando a pior.
Depois de uns dez minutos de sobe-e-desce, Paulo obteve o seu orgasmo e deu um suspiro longo.
A puta tratou logo de agilizar o seu negócio. Na verdade iria começar a trabalhar:
- Nossa, que gostoso! Adorei. Quer casar comigo?
Paulo sorriu. Ela continuou:
- Essa merece um drinque.
Após pedir a bebida, virou Paulo de costas com o pretexto de fazer uma massagem:
- Você está tão tenso.
- Minha vida é que me deixa assim. – Disse ele.
- Relaxa, hoje é sexta-feira.
A bebida foi recebida por ela que, aproveitando o relaxamento de Paulo, depositou no copo dele algumas gotas de um líquido transparente como água.
Brindaram.
Ele bebeu num só gole e deitou novamente pedindo as mãos dela em suas costas.
Paulo relaxa sentindo a massagem. Parece estar nas nuvens... flutuando, flutuando.
Esqueceu de tudo; o caso que caminha na justiça, a praga de sua ex-funcionária, o trânsito, as contas a pagar, os contratos futuros, os clientes, os fornecedores e tudo mais que o preocupava. Agora está curtindo a sensação que corre pelo seu corpo, sente um prazer estranho, um formigamento gostoso nos seus pés que vai subindo devagarzinho, bem devagarzinho até chegar à cabeça.
O empresário nunca sentira isso antes, mas deixou-se dominar.
“Provavelmente é o efeito do sexo” – Pensou ele em grande satisfação.
Aos poucos suas pálpebras foram ficando pesadas, sem resistência... fechando, fechando... dormiu.
A puta se apossou da carteira, do relógio, do celular e da chave do carro. E antes de sair do quarto, beijou a boca de Paulo como forma de agradecimento, e ainda disse:
- Boa noite otário.
E ele dormia, indiferente a tudo. Não dormia um sono de pedra, apenas um sono de cinderela.
Sacolinha
Os pensadores... Do subúrbio
Uma roda humana, uma fogueira, um violão, uma garrafa de vinho e muita maconha.
Não fosse aquele maldito Tobias Aguiar, esses cinco jovens estariam vivos. Se eles não tivessem naquela esquina, aquele dia, aquela hora... Quem foi que inventou o violão?
Quem sabe se o Djavan não tivesse escrito aquela música que os jovens cantavam no momento da abordagem, Flor de lis... Morto na beleza fria de Maria...
Coitadas são as mães, devem estar sofrendo... E o meu jardim da vida, ressecou, morreu...
E a esquina, por que existe, quem foi o vereador, prefeito ou presidente que criou as esquinas? Foram eles? Quem foi?
Se aqueles jovens estivessem trabalhando, ou em alguma outra ocupação...
O que levaram eles a se encontrarem naquela esquina?
Acho que foi o vinho, hum! Aquele gosto doce de uva... Da onde veio a uva?
Da videira. E a videira?
Da semente. E a semente?
Naquela roda os jovens fumavam maconha, foi por isso que a ROTA os abordaram, e também por que os policiais não gostam do violão, por que foi ele que ajudou Geraldo Vandré a compor: “Pra não dizer que não falei das flores”.
Alguns poetas acham que o motivo disso tudo, foi a “noite”, que seduziu os jovens.
O que é a sedução?
É sentimento ou só prazer?
Diz algumas mulheres que sedução não é pra qualquer um, só pra quem ama.
Amor? Da onde veio? Quem é você, que é misterioso ao mesmo tempo em que é popular?
Na sinceridade, o sincretismo dos termos abstratos, foram os causadores dessa tragédia, manipulada pela bebida, a música, a droga e o governo sistemático.
Quais os ideais e os sonhos que esses jovens levaram para o túmulo. Aliás, quem são esses jovens que cantam músicas em protesto contra um tal de sistema?
Que sistema é esse?
Tem integrantes humanos?
Será que a morada da hipocrisia está aqui?
Confecções, motivos, idéias, consumismo e soluções próprias. Sim, estão pensando, não existem, eles vivem.
A elite já dormiu, enquanto eles ainda vão dormir... Pensativos.
Não fosse aquele maldito Tobias Aguiar, esses cinco jovens estariam vivos. Se eles não tivessem naquela esquina, aquele dia, aquela hora... Quem foi que inventou o violão?
Quem sabe se o Djavan não tivesse escrito aquela música que os jovens cantavam no momento da abordagem, Flor de lis... Morto na beleza fria de Maria...
Coitadas são as mães, devem estar sofrendo... E o meu jardim da vida, ressecou, morreu...
E a esquina, por que existe, quem foi o vereador, prefeito ou presidente que criou as esquinas? Foram eles? Quem foi?
Se aqueles jovens estivessem trabalhando, ou em alguma outra ocupação...
O que levaram eles a se encontrarem naquela esquina?
Acho que foi o vinho, hum! Aquele gosto doce de uva... Da onde veio a uva?
Da videira. E a videira?
Da semente. E a semente?
Naquela roda os jovens fumavam maconha, foi por isso que a ROTA os abordaram, e também por que os policiais não gostam do violão, por que foi ele que ajudou Geraldo Vandré a compor: “Pra não dizer que não falei das flores”.
Alguns poetas acham que o motivo disso tudo, foi a “noite”, que seduziu os jovens.
O que é a sedução?
É sentimento ou só prazer?
Diz algumas mulheres que sedução não é pra qualquer um, só pra quem ama.
Amor? Da onde veio? Quem é você, que é misterioso ao mesmo tempo em que é popular?
Na sinceridade, o sincretismo dos termos abstratos, foram os causadores dessa tragédia, manipulada pela bebida, a música, a droga e o governo sistemático.
Quais os ideais e os sonhos que esses jovens levaram para o túmulo. Aliás, quem são esses jovens que cantam músicas em protesto contra um tal de sistema?
Que sistema é esse?
Tem integrantes humanos?
Será que a morada da hipocrisia está aqui?
Confecções, motivos, idéias, consumismo e soluções próprias. Sim, estão pensando, não existem, eles vivem.
A elite já dormiu, enquanto eles ainda vão dormir... Pensativos.
Sacolinha
FONTE: http://www.recantodasletras.com.br/cronicas/22457
Sem lembranças
Ele não lembra mais de mim.
Ele se esqueceu quando entreguei panfletos e carreguei seu nome numa bandeira.
Bati em diversas portas pedindo apoio para sua candidatura. Militei demasiadamente. Comi lanches vagabundos durante dias e perdi meu único tênis.
No dia decisivo, fui um dos primeiros a ver sua foto na máquina. Fui esculachado pela polícia, na frente de dezenas de pessoas, por estar fazendo boca de urna.
E ele não lembra mais de mim.
Dois anos se passaram. Continuo no sufoco.
Acordo cedo, tomo um café ralo e saio de cabeça baixa, procurando latinhas cidade á fora.
Minha mãe trança um cabelo aqui e costura uma roupa ali.
Quando o técnico do time do futebol de várzea traz os uniformes para ela lavar, é sinal que Deus lembrou da gente.
E ele?
Ele não lembra mais de mim.
Sempre esteve por aqui mas o poder é tarefa e ele, por sua vez, se tornou um grande tarefeiro.
O seu transporte agora é avião fretado, quando não, desfila de importado.
E eu, não passo mais debaixo da catraca, cresci, entro pela porta de trás.
Eu visto a miséria e ele, a ostentação.
Ontem fumava cigarro, hoje desfruta de charutos cubanos.
Ele não lembra mais de mim.
Fui preservativo. Meteu-me nas entranhas do povo, e depois de ejacular, me descartou e foi curtir a sensação.
Hoje se veste com malhas e algodão, casimira e sedas italianas. Suas gravatas são da galeria Hernés, de Paris.
Come nomes estranhos, uns vindo do mar, outros dos grandes frigoríficos.
O carteado entre amigos foi substituído por cassinos internacionais.
Ele não lembra mais de mim.
Algum tempo atrás, foi estrategista e filósofo, até profeta, mais um profeta mentiroso.
O tempo vai passar, e ele terá duas, três, ou mais contas bancárias.
Vai adquirir muitos conhecimentos na área em que atua, e na próxima vez, talvez não precise mais de mim. Irá pagar para o mais renomado dos marketeiros, a fim de abocanhar mais e mais votos.
É, e furtará cada vez com maior perfeição as esperanças do povo que insiste em elegê-lo.
Até quando?
Até que existam pessoas como eu que botam fé no cara, enquanto ele, bem ele jamais se lembrará de mim.
Ele se esqueceu quando entreguei panfletos e carreguei seu nome numa bandeira.
Bati em diversas portas pedindo apoio para sua candidatura. Militei demasiadamente. Comi lanches vagabundos durante dias e perdi meu único tênis.
No dia decisivo, fui um dos primeiros a ver sua foto na máquina. Fui esculachado pela polícia, na frente de dezenas de pessoas, por estar fazendo boca de urna.
E ele não lembra mais de mim.
Dois anos se passaram. Continuo no sufoco.
Acordo cedo, tomo um café ralo e saio de cabeça baixa, procurando latinhas cidade á fora.
Minha mãe trança um cabelo aqui e costura uma roupa ali.
Quando o técnico do time do futebol de várzea traz os uniformes para ela lavar, é sinal que Deus lembrou da gente.
E ele?
Ele não lembra mais de mim.
Sempre esteve por aqui mas o poder é tarefa e ele, por sua vez, se tornou um grande tarefeiro.
O seu transporte agora é avião fretado, quando não, desfila de importado.
E eu, não passo mais debaixo da catraca, cresci, entro pela porta de trás.
Eu visto a miséria e ele, a ostentação.
Ontem fumava cigarro, hoje desfruta de charutos cubanos.
Ele não lembra mais de mim.
Fui preservativo. Meteu-me nas entranhas do povo, e depois de ejacular, me descartou e foi curtir a sensação.
Hoje se veste com malhas e algodão, casimira e sedas italianas. Suas gravatas são da galeria Hernés, de Paris.
Come nomes estranhos, uns vindo do mar, outros dos grandes frigoríficos.
O carteado entre amigos foi substituído por cassinos internacionais.
Ele não lembra mais de mim.
Algum tempo atrás, foi estrategista e filósofo, até profeta, mais um profeta mentiroso.
O tempo vai passar, e ele terá duas, três, ou mais contas bancárias.
Vai adquirir muitos conhecimentos na área em que atua, e na próxima vez, talvez não precise mais de mim. Irá pagar para o mais renomado dos marketeiros, a fim de abocanhar mais e mais votos.
É, e furtará cada vez com maior perfeição as esperanças do povo que insiste em elegê-lo.
Até quando?
Até que existam pessoas como eu que botam fé no cara, enquanto ele, bem ele jamais se lembrará de mim.
Sacolinha
FONTE: http://www.recantodasletras.com.br/cronicas/94756
Pacífico Homem Bomba
O relógio grita desesperado.
Ronaldo acorda sobressaltado e procura na penumbra de seu quarto o despertador.
Desliga e respira fundo. Quinze para ás três da manhã de uma segunda-feira qualquer.
Ele pensa em aproveitar mais uns cinco minutinhos, mas sabe que o sono será inevitável.
Enquanto escova os dentes lembra do que o seu finado pai dizia em relação ao trabalho: “O trabalho dignifica o homem meu filho”.
Da sua boca surge um conjunto de dentes amarelados cobertos por uma espuma pastosa num sorriso discreto:
- Porra, então eu sou mais do que homem.
Trabalha todos os dias da semana e cada dia num local diferente. Sua função?
É de gritar o nome das frutas da barraca onde trabalha e atende com um sorriso nos lábios e um “muito obrigado” todos os clientes inclusive o mais hostil. Sem esquecer do caminhão cheio de caixas que ele descarrega sozinho, enquanto os seus patrões, um casal de japonês, montam a barraca.
Á noite Ronaldo cursa o supletivo numa escola próxima do seu bairro.
Quando tinha oito anos, seus pais que estavam passando por dificuldades o deixaram na companhia de sua tia, irmã de sua mãe, que morava no Rio de Janeiro. A tia que era de Porto Alegre chegou no Rio com seu marido sem dinheiro nenhum. Dali á oito meses já tinham uma casa e era a mais destacada no local onde moravam.
Ronaldo entrou para a escola e conheceu vários colegas. Estava adorando a vida nova. Era escola, futebol, barriga cheia e muita alegria. Só não entendia porque sua tia dava á ele um pacote para levar todos os dias no morro do Cantagalo. Ela dizia que era cerol. Mas chegou o dia em que a inocência de Ronaldo foi pra debaixo do chinelo e ele acabou descobrindo:
- Pô tia, a senhora me enganou dizendo que era cerol.
- Te enganei não, é que nós chamamos de cerol, é código.
- Mas eu não vou levar mais isso não...
- Que não vai levar o quê, ta pensando que eu vou te sustentar de graça, tem que trabalhar mesmo. E é o seguinte, a partir de hoje acabou a escola pra você, de agora em diante vai trabalhar pra mim e bico fechado.
Foi assim durante três anos, até que os pais dele conseguiram sair do sufoco e buscaram o menino.
Os anos se passaram com tristezas e alegrias, derrotas e vitórias, e Ronaldo só voltou a estudar com 18 anos de idade. Hoje com 23, trabalha e estuda. Logo vai se juntar com sua namorada que está grávida de cinco meses.
Olha no relógio, agarra a marmita e se lança madrugada á fora. Depois de entrar e sair de vielas e pequenas ruas sem asfalto, ele chega no local aonde seus patrões vão lhe pegar dali á dez minutos.
Olhos atentos na rua que a lua esqueceu de iluminar, senta na guia da calçada, acende um cigarro e enquanto aguarda o caminhão se põe a refletir.
A sua situação não é das boas. Os pais da sua namorada lhe pressionam, sua mãe vive batendo cartão no hospital, sempre doente. O dinheiro que recebe dos japoneses vai para a água, luz e o aluguel. E o enxoval da criança nada. Vários são os convites para entrar na vida bandida, bem que não repugna esse meio de vida, mais dia menos dia acaba aceitando o convite. A polícia rouba, os políticos também, só ele é que é o otário.
Quando ia dar sua quarta tragada no cigarro notou uma luz vermelha indo e vindo, qual fossem as luzes de uma ambulância. Mas não, é uma viatura.
Ronaldo cospe no chão, sabe que estão indo pegar dinheiro lá na boca de fumo, e não pra fazer sua segurança como diz o apresentador de um telejornal sensacionalista.
A viatura passa devagar, Ronaldo não abaixa a cabeça, prefere mostrar o rosto, além do mais não tem como esconder a sua cor. O motorista pára, três policiais descem da viatura, um deles com a mão no coldre manda Ronaldo ficar de pé e caminhar até a viatura com as mãos ao alto. Ele odeia ser revistado, ainda mais por policiais que metem a mão com voracidade no seu saco, parecendo que vão arrancar pra fora da calça.
- Ta fazendo o que aqui?
- Esperando um caminhão, sou feirante.
- E esse cheiro?
- É cigarro.
- Que cigarro o quê, um preto feio desse jeito á essa hora na rua, e dizendo que é feirante, entra na viatura.
Ele tentou mostrar o cigarro aceso e a marmita no chão, mas um tapa no rosto o fez calar.
- Entra logo vai.
Quando ergueu o pé direito para subir na traseira da viatura foi empurrado e recebeu um saco preto na cabeça.
- Se tirar isso vai morrer.
O motorista deu a partida e saiu. Ronaldo tentava ver, mas nada conseguia, já imaginava o seu corpo sendo achado no meio do mato. Após alguns minutos o carro parou, uns instantes de conversas e novamente a viatura voltou a andar. Ronaldo sabia que ainda estava em seu bairro, o sacolejar do seu corpo é constante, conhece os buracos de cada rua e ouviu quando o motorista reclamou:
- Esses filhos da puta não têm o que fazer e ficam inventando essas lombadas.
A viatura voltou a parar depois de vinte minutos. Um policial abriu a porta traseira e mandou Ronaldo descer. Ele pensou em reagir, não iria morrer assim á toa. O policial tirou o saco da cabeça e o mandou correr. Ele ficou inerte. Morrer correndo não. O PM insistiu:
- Vai caralho, quer morrer?
Ronaldo começou a correr. E ficou aliviado quando olhou pra trás e viu a viatura indo embora.
Aos poucos diminuiu a velocidade e começou a andar. Pegou na carteira o cartão telefônico e procurou um orelhão. Passou por seis, mas só deu sorte no sétimo.
- Tanto telefone nas ruas pra só um funcionar.
Quando tirou o telefone do gancho e introduziu o cartão, viu que não aparecia às unidades, ia retirar e colocar de novo, mas o telefone havia engolido o seu cartão. Preferiu não quebrar o aparelho, isso não iria trazer o seu cartão de volta. Mas tinha que ligar para o celular do seu patrão e avisar o ocorrido, sabia que ele poderia pensar que Ronaldo se atrasou e demiti-lo no ato.
Preferiu ir pra casa, nessas horas o melhor é ser paciente. Mas quem é que tem paciência depois de levar tapa na cara e ter passeado com a polícia logo de madrugada?
Ronaldo sempre é perseguido, quando não é pela polícia que sempre o enquadra, é pela depressão. Depressão que amarra sua garganta e faz cair lágrimas dos seus olhos.
O pai faleceu á quatro meses atrás, vítima de bala perdida. A namorada está grávida, a mãe doente, um emprego sem exploração ainda é um sonho.
Chegou em casa e esperou dar oito horas. Não respondeu a pergunta da sua mãe que surpresa de sua presença perguntou:
- Ué, em casa essa hora filho, não teve feira hoje não?
Ás oito ele saiu de casa, entrou numa viela, cortou a direita, desceu a rua de terra e apertou a campanhia duma casa com portão de madeira. Quando foi atendido pelo seu colega, explicou o ocorrido e pediu para usar o telefone.
A voz do seu patrão foi áspera e cheia de sotaque, e o que ele falou não foi diferente do que Ronaldo pensou. Estava demitido. Não interessa o que aconteceu, por causa dele o casal de japonês chegou atrasado no local da feira e não houve como montar a barraca.
Ele saiu da casa do colega com a cara fechada, nem atendeu ao cumprimento do seu Florêncio, dono de um bar no bairro.
Chegou em casa decidido. Abriu a gaveta da velha cômoda e pegou uma arma 38 de cano longo que pertencia ao seu pai. Esperaria até a noite para agir. Não iria para a escola, que se foda os alunos que só vão para a escola pra fazer peso. Danem-se os professores que não querem nada com nada. Que se foda todos e todas.
No seu interior havia dois sentimentos únicos. Um era o sentimento bomba e o outro era o sentimento doce. Mas acionaram o sentimento errado, acenderam o rastilho, e agora segura que o pacífico homem bomba explodiu.
FONTE: http://www.recantodasletras.com.br/contos/15410
Ronaldo acorda sobressaltado e procura na penumbra de seu quarto o despertador.
Desliga e respira fundo. Quinze para ás três da manhã de uma segunda-feira qualquer.
Ele pensa em aproveitar mais uns cinco minutinhos, mas sabe que o sono será inevitável.
Enquanto escova os dentes lembra do que o seu finado pai dizia em relação ao trabalho: “O trabalho dignifica o homem meu filho”.
Da sua boca surge um conjunto de dentes amarelados cobertos por uma espuma pastosa num sorriso discreto:
- Porra, então eu sou mais do que homem.
Trabalha todos os dias da semana e cada dia num local diferente. Sua função?
É de gritar o nome das frutas da barraca onde trabalha e atende com um sorriso nos lábios e um “muito obrigado” todos os clientes inclusive o mais hostil. Sem esquecer do caminhão cheio de caixas que ele descarrega sozinho, enquanto os seus patrões, um casal de japonês, montam a barraca.
Á noite Ronaldo cursa o supletivo numa escola próxima do seu bairro.
Quando tinha oito anos, seus pais que estavam passando por dificuldades o deixaram na companhia de sua tia, irmã de sua mãe, que morava no Rio de Janeiro. A tia que era de Porto Alegre chegou no Rio com seu marido sem dinheiro nenhum. Dali á oito meses já tinham uma casa e era a mais destacada no local onde moravam.
Ronaldo entrou para a escola e conheceu vários colegas. Estava adorando a vida nova. Era escola, futebol, barriga cheia e muita alegria. Só não entendia porque sua tia dava á ele um pacote para levar todos os dias no morro do Cantagalo. Ela dizia que era cerol. Mas chegou o dia em que a inocência de Ronaldo foi pra debaixo do chinelo e ele acabou descobrindo:
- Pô tia, a senhora me enganou dizendo que era cerol.
- Te enganei não, é que nós chamamos de cerol, é código.
- Mas eu não vou levar mais isso não...
- Que não vai levar o quê, ta pensando que eu vou te sustentar de graça, tem que trabalhar mesmo. E é o seguinte, a partir de hoje acabou a escola pra você, de agora em diante vai trabalhar pra mim e bico fechado.
Foi assim durante três anos, até que os pais dele conseguiram sair do sufoco e buscaram o menino.
Os anos se passaram com tristezas e alegrias, derrotas e vitórias, e Ronaldo só voltou a estudar com 18 anos de idade. Hoje com 23, trabalha e estuda. Logo vai se juntar com sua namorada que está grávida de cinco meses.
Olha no relógio, agarra a marmita e se lança madrugada á fora. Depois de entrar e sair de vielas e pequenas ruas sem asfalto, ele chega no local aonde seus patrões vão lhe pegar dali á dez minutos.
Olhos atentos na rua que a lua esqueceu de iluminar, senta na guia da calçada, acende um cigarro e enquanto aguarda o caminhão se põe a refletir.
A sua situação não é das boas. Os pais da sua namorada lhe pressionam, sua mãe vive batendo cartão no hospital, sempre doente. O dinheiro que recebe dos japoneses vai para a água, luz e o aluguel. E o enxoval da criança nada. Vários são os convites para entrar na vida bandida, bem que não repugna esse meio de vida, mais dia menos dia acaba aceitando o convite. A polícia rouba, os políticos também, só ele é que é o otário.
Quando ia dar sua quarta tragada no cigarro notou uma luz vermelha indo e vindo, qual fossem as luzes de uma ambulância. Mas não, é uma viatura.
Ronaldo cospe no chão, sabe que estão indo pegar dinheiro lá na boca de fumo, e não pra fazer sua segurança como diz o apresentador de um telejornal sensacionalista.
A viatura passa devagar, Ronaldo não abaixa a cabeça, prefere mostrar o rosto, além do mais não tem como esconder a sua cor. O motorista pára, três policiais descem da viatura, um deles com a mão no coldre manda Ronaldo ficar de pé e caminhar até a viatura com as mãos ao alto. Ele odeia ser revistado, ainda mais por policiais que metem a mão com voracidade no seu saco, parecendo que vão arrancar pra fora da calça.
- Ta fazendo o que aqui?
- Esperando um caminhão, sou feirante.
- E esse cheiro?
- É cigarro.
- Que cigarro o quê, um preto feio desse jeito á essa hora na rua, e dizendo que é feirante, entra na viatura.
Ele tentou mostrar o cigarro aceso e a marmita no chão, mas um tapa no rosto o fez calar.
- Entra logo vai.
Quando ergueu o pé direito para subir na traseira da viatura foi empurrado e recebeu um saco preto na cabeça.
- Se tirar isso vai morrer.
O motorista deu a partida e saiu. Ronaldo tentava ver, mas nada conseguia, já imaginava o seu corpo sendo achado no meio do mato. Após alguns minutos o carro parou, uns instantes de conversas e novamente a viatura voltou a andar. Ronaldo sabia que ainda estava em seu bairro, o sacolejar do seu corpo é constante, conhece os buracos de cada rua e ouviu quando o motorista reclamou:
- Esses filhos da puta não têm o que fazer e ficam inventando essas lombadas.
A viatura voltou a parar depois de vinte minutos. Um policial abriu a porta traseira e mandou Ronaldo descer. Ele pensou em reagir, não iria morrer assim á toa. O policial tirou o saco da cabeça e o mandou correr. Ele ficou inerte. Morrer correndo não. O PM insistiu:
- Vai caralho, quer morrer?
Ronaldo começou a correr. E ficou aliviado quando olhou pra trás e viu a viatura indo embora.
Aos poucos diminuiu a velocidade e começou a andar. Pegou na carteira o cartão telefônico e procurou um orelhão. Passou por seis, mas só deu sorte no sétimo.
- Tanto telefone nas ruas pra só um funcionar.
Quando tirou o telefone do gancho e introduziu o cartão, viu que não aparecia às unidades, ia retirar e colocar de novo, mas o telefone havia engolido o seu cartão. Preferiu não quebrar o aparelho, isso não iria trazer o seu cartão de volta. Mas tinha que ligar para o celular do seu patrão e avisar o ocorrido, sabia que ele poderia pensar que Ronaldo se atrasou e demiti-lo no ato.
Preferiu ir pra casa, nessas horas o melhor é ser paciente. Mas quem é que tem paciência depois de levar tapa na cara e ter passeado com a polícia logo de madrugada?
Ronaldo sempre é perseguido, quando não é pela polícia que sempre o enquadra, é pela depressão. Depressão que amarra sua garganta e faz cair lágrimas dos seus olhos.
O pai faleceu á quatro meses atrás, vítima de bala perdida. A namorada está grávida, a mãe doente, um emprego sem exploração ainda é um sonho.
Chegou em casa e esperou dar oito horas. Não respondeu a pergunta da sua mãe que surpresa de sua presença perguntou:
- Ué, em casa essa hora filho, não teve feira hoje não?
Ás oito ele saiu de casa, entrou numa viela, cortou a direita, desceu a rua de terra e apertou a campanhia duma casa com portão de madeira. Quando foi atendido pelo seu colega, explicou o ocorrido e pediu para usar o telefone.
A voz do seu patrão foi áspera e cheia de sotaque, e o que ele falou não foi diferente do que Ronaldo pensou. Estava demitido. Não interessa o que aconteceu, por causa dele o casal de japonês chegou atrasado no local da feira e não houve como montar a barraca.
Ele saiu da casa do colega com a cara fechada, nem atendeu ao cumprimento do seu Florêncio, dono de um bar no bairro.
Chegou em casa decidido. Abriu a gaveta da velha cômoda e pegou uma arma 38 de cano longo que pertencia ao seu pai. Esperaria até a noite para agir. Não iria para a escola, que se foda os alunos que só vão para a escola pra fazer peso. Danem-se os professores que não querem nada com nada. Que se foda todos e todas.
No seu interior havia dois sentimentos únicos. Um era o sentimento bomba e o outro era o sentimento doce. Mas acionaram o sentimento errado, acenderam o rastilho, e agora segura que o pacífico homem bomba explodiu.
Sacolinha
FONTE: http://www.recantodasletras.com.br/contos/15410
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